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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011 - 08:42h
Assédio Moral no Trabalho
 

Assédio Moral no Trabalho


Os nossos dicionaristas são unânimes em explicar o que significa assédio: insistência impertinente, junto a alguém, com perguntas, pretensões, etc. (Aurélio Buarque de Holanda, Silveira Bueno, Antônio Houaiss e outros).
Um ideal compartilhado por empreendedores é formar um ambiente empresarial produtivo e harmônico. Contudo, observa-se um crescente desenvolvimento do assédio moral dentro do trabalho, sendo este entendido como qualquer atitude abusiva que, por sua repetição e intencionalidade, tende a desestabilizar as vítimas de suas insídias. Isto têm gerado, um ambiente de trabalho hostil, coibindo o direito de liberdade e o sucesso profissional dos funcionários, podendo até conduzi-los à morte. Diante da gravidade deste ato, é mister, a conscientização de todos acerca do referido tema, como medida preventiva para evitar o surgimento de atitudes que caracterizam o assédio moral no local de trabalho, bem como proporcionar as vítimas, subsídios para que as mesmas quando agredidas, possam tomar medidas coerentes para que o agressor seja devidamente punido.

 O que é assédio moral?


Assédio moral ou Violência moral no trabalho não é um fenômeno novo. Pode-se dizer que ele é tão antigo quanto o trabalho.
Primeiramente, fala-se em “exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras”. O trabalhador deve se sentir extremamente rebaixado, oprimido, ofendido, inferiorizado, vexado e ultrajado pela ação do assediador, que o persegue e o importuna.

A novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e na abordagem que tenta estabelecer o nexo-causal com a organização do trabalho e tratá-lo como não inerente ao trabalho. A reflexão e o debate sobre o tema são recentes no Brasil, tendo ganhado força após a divulgação da pesquisa brasileira realizada por Dra. Margarida Barreto. Tema da sua dissertação de Mestrado em Psicologia Social, foi defendida em 22 de maio de 2000 na PUC/ SP, sob o título "Uma jornada de humilhações".

A primeira matéria sobre a pesquisa brasileira saiu na Folha de São Paulo, no dia 25 de novembro de 2000, na coluna de Mônica Bérgamo. Desde então o tema tem tido presença constante nos jornais, revistas, rádio e televisão, em todo país. O assunto vem sendo discutido amplamente pela sociedade, em particular no movimento sindical e no âmbito do legislativo.

Em agosto do mesmo ano, foi publicado no Brasil o livro de Marie France Hirigoyen "Harcèlement Moral: la violence perverse au quotidien". O livro foi traduzido pela Editora Bertrand Brasil, com o título Assédio moral: a violência perversa no cotidiano.

No campo jurídico penal, o assédio sexual vem se constituindo em real reparação, muito embora com resguardo por parte da assediada. Isto em virtude da recusa em se expor à público, por motivo de deboches, má-interpretações, boatos grosseiros e outras qualificações perversas que grassa nas páginas do cotidiano.
Ultimamente, tem-se ouvido muito falar em assédio moral, embora não seja grande novidade na história da humanidade. Mas, afinal, o que é assédio moral no trabalho? Você conseguiria identificar se está sendo vítima desse mal?

O que é humilhação?


Conceito: É um sentimento de ser ofendido/a, menosprezado/a, rebaixado/a, inferiorizado/a, submetido/a, vexado/a, constrangido/a e ultrajado/a pelo outro/a. É sentir-se um ninguém, sem valor, inútil. Magoado/a, revoltado/a, perturbado/a, mortificado/a, traído/a, envergonhado/a, indignado/a e com raiva. A humilhação causa dor, tristeza e sofrimento.

E o que é assédio moral no trabalho?


É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.

Segundo a médica Margarida Barreto, médica do trabalho e ginecologista, assédio moral no trabalho é “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego”.

Caracteriza-se pela degradação deliberada condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o 'pacto da tolerância e do silêncio' no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, 'perdendo' sua auto-estima.

O desabrochar do individualismo reafirma o perfil do 'novo' trabalhador: 'autônomo, flexível', capaz, competitivo, criativo, agressivo, qualificado e empregável. Estas habilidades o qualificam para a demanda do mercado que procura a excelência e saúde perfeita. Estar 'apto' significa responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e culpabilizá-los pelo desemprego, aumento da pobreza urbana e miséria, desfocando a realidade e impondo aos trabalhadores um sofrimento perverso.

A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do trabalhador e trabalhadora de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental*, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.

A violência moral no trabalho constitui um fenômeno internacional segundo levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com diversos paises desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a OIT e Organização Mundial da Saúde, estas serão as décadas do 'mal estar na globalização", onde predominará depressões, angustias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculadas as políticas neoliberais.

Analisando filosoficamente, Sócrates acreditava que era melhor sofrer o mal que infligi-lo. Hannah Arendt, uma das filósofas mais importantes do século XX, em seu livro “Responsabilidade e Julgamento”, nos explica tal pensamento:“Se somos confrontados com dois males, assim reza o argumento, é nosso dever optar pelo menor, ao passo que é irresponsável nos recusarmos a escolher.”

Os danos que o assédio moral pode causar ao empregado são seríssimos. Também conhecido como síndrome del acoso institucional, acoso moral, psicoterror, coação moral ou mobbing, o assédio moral no trabalho ultrapassa não só as fronteiras internacionais, como também qualquer categoria profissional. Médicos, advogados, operários, vendedores, representantes comerciais, diaristas, não há preferência profissional na desta perversidade.

A vítima pode sofrer “danos emocionais e doenças psicossomáticas, como alterações do sono, distúrbios alimentares, diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo, insegurança, entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e de depressão. Em casos extremos, pode levar à morte ou ao suicídio.” Ademais, a capacidade laborativa do empregado é extremamente atingida.

O assédio moral dá direito à rescisão indireta. O trabalhador ainda pode pedir indenizações morais e/ou materiais. Para tanto, faz-se necessária consistente coleta de provas. Eis aí a parte mais difícil: como provar? A dificuldade existe por tratar-se de uma violência sutil, psicológica, e não física. Acontece quase que de maneira “invisível”.

Meras alegações de nada valem ao Judiciário. A este interessa somente as provas, cuja coleta pode transforma-se em grande teste de paciência ao assediado. Tão logo a vítima perceba que está sendo assediada moralmente, deve reunir documentos escritos pelo assediador, como e-mails, cartas e bilhetes, além de laudos médicos, cartões de ponto, e quaisquer outros documentos que provem uma perseguição. Gravações das ofensas do malfeitor diretamente à vítima também são possíveis. Outra prova importantíssima são as testemunhas, que podem comprovar gestos, comportamentos e palavras relativas ao assédio. Recomendável também é procurar um advogado para melhor aconselhar-se na questão probatória.

É relevante mencionar que as conseqüências de tamanho abuso atingem não apenas ao assediado, mas sim a toda a coletividade, violando os direitos à saúde e à dignidade humana, o que evidencia a gravidade do fato.
Ademais, há conseqüências para a própria empresa (como a baixa produtividade, por exemplo), e ainda para os governos, uma vez que as enfermidades dos trabalhadores resultam em gastos de atenção sanitária e seguridade social.

Aristóteles e a Ética Voltada para Análise do Assediador Moral


Aristóteles teve suas idéias fomentadas no pensamento de Platão, muito embora a partir daí tenha seguido caminhos opostos ao de seu mestre. Com uma ampla produção intelectual, revelando-se um pensador eclético, já que tratou sobre física, ética, política, metafísica, retórica e poesia; Aristóteles formulou toda uma reflexão ética, partindo dos fenômenos que emergiam da Ciência Política, base da Ciência Social. A Ética Aristotélica vê o homem individual essencialmente como um integrante da sociedade, determinando, assim, o seu caráter político, alinhado à Ciência Social.

Com fundamento nesta idéia inicial, podemos perceber que o tema pode ser muito bem adequado aos fenômenos inerentes ao assédio moral nas relações trabalhistas no mundo moderno, também fruto de acontecimentos político-sociais. O homem não pode ser visto somente como um ser individual, que o é; mas também como uma peça formadora da engrenagem da sociedade. Neste contexto, as relações trabalhistas exercem papel preponderante, uma vez que se constituem na “mola mestra” de todo esse sistema, ao lado das relações familiares. A partir desta formulação podemos constatar que todos os acontecimentos que derivam das relações trabalhistas repercutem com grande intensidade na vida do homem, quer sejam eles positivos ou negativos.

O assédio moral, a princípio, traz repercussões extremamente negativas ao homem, repercutindo na seara física, psicológica, social e econômica. Indagar os motivos que levam o assediador a agir de forma tão violenta (uma “violência sutil”) nos remete aos caminhos da ética e da moral. O assediador é essencialmente um indivíduo destituído de ética e de moral. O assediador age por impulsos negativos e sem nenhuma nobreza de caráter, revelando seu lado perverso ao verificar sua vítima sucumbir aos poucos diante de sua iniqüidade.

Com grande propriedade, Marie-France Hirigoyen cita Pierre Desproges na introdução de sua primeira obra sobre o assunto: “Uma palavra contundente é algo que pode matar ou humilhar, sem que se sujem as mãos. Uma das grandes alegrias da vida é humilhar seus semelhantes.” (HIRIGOYEN, 2002, p. 9)

Poderíamos afirmar que esta é uma visão simplificada do sentimento atroz que domina o assediador. Envolto, portanto, numa obscura crise ética e moral, o assediador é impulsionado a agir. Se analisarmos a construção do pensamento ético de Aristóteles, em especial aquele contido na obra “Ética a Nicômaco”, certamente encontraremos os pontos de ausência que motivam a conduta caracterizadora do assédio moral.

O conteúdo analisado está repleto de designações éticas e morais. Por óbvio, ética e moral não são sinônimos, muito embora venham a refletir uma mesma mensagem cultural, de vida e de sentimentos:

Ética e moral não são a mesma coisa. A moral explicita-se através de enunciados que dão valor a certas condutas, aprovando-as ou rejeitando-as. A ética é composta de enunciados que são gerados em uma investigação a respeito da validade ou não dos enunciados morais. A ética é, por assim dizer, uma filosofia moral. (GHIRALDELLI JR, 2002)

Na ética aristotélica possui mais valor um cidadão formado nas virtudes, especialmente aquelas relacionadas ao conceito de Justiça, do que as prescrições objetivas estabelecidas pela lei. Quando falamos de assédio moral, desponta um conteúdo ético bastante exacerbado, no qual nos focalizamos para identificar a carência de virtudes que toma conta do assediador. O contexto estabelecido pelas leis, como instrumento de coerção e contenção dos avanços do assédio moral, em que pese os inúmeros projetos de lei sobre o assunto e algum outro punhado de leis, já em vigor, ainda é muito tênue.

No entanto, independente da existência de qualquer normatização que tenha por objetivo coibir o assédio moral, as reflexões éticas sobre o problema já posicionam o assediador como o tirano da relação. Este, na visão ética de Aristóteles, estaria destituído das virtudes típicas dos cidadãos de alma nobre, mesmo que suas atitudes não fossem contempladas com uma reprimenda das leis.

O que notamos na evolução atual do fenômeno do assédio moral não é um abandono da tutela legal em relação ao tema. Na Europa, muitas legislações já cuidam dos efeitos do assédio moral, tanto na esfera penal, quanto na esfera da responsabilidade civil. No Brasil, diversos municípios já aprovaram leis voltadas a coibir o assédio moral, especificamente na Administração Pública, tais como: São Paulo, Cascavel, Natal, Americana, Jaboticabal, Guarulhos, Iracemápolis e Sidrolândia, além dos Estados do Rio de Janeiro e Sergipe. Existe, ainda, em tramitação no Congresso Nacional, uma proposta de criminalização do assédio moral, de iniciativa do deputado Marcos de Jesus.

Convenhamos que manifestações ainda pouco expressivas, diante dos gigantescos efeitos provocados pelo assédio moral. Portanto, mesmo com a tutela da lei, permanece como tônica o conteúdo ético que circunda o fenômeno.

A Ética aristotélica realiza uma interpretação das ações humanas fundamentadas em análises de meio e de fim, resultando da definição de determinadas práticas humanas onde o conteúdo moral estará relacionado à prática de ações específicas. Tais ações devem ser implementadas não apenas por parecerem corretas aos olhos de quem as pratica, mas porque através dessas ações o homem estará mais próximo do bem. O manipulador do assédio moral é movido por diversas motivações, que variam da inveja ao desejo de poder. Porém, qualquer que seja a motivação, revela um desvirtuamento de caráter; deixa de praticar certas ações que contemplam a ética e a moral, para realizar propósitos mesquinhos e sem nenhum conteúdo de nobreza, afastando-se assim da busca e da conquista do bem. Na verdade, todo homem, quer seja ele um tirano ou um santo, busca, da sua forma, alcançar o bem. Ocorre que muitos até desejam serem vistos como homens que praticam o bem, pois isto representa um ponto de admiração aos olhos de seus semelhantes. Quando falamos do assédio moral, talvez o pior dos assediadores seja o que não abre mão das suas condutas iníquas, mas deseja parecer, perante os demais, como aquele que pratica o bem. No entanto, Aristóteles já havia concebido este tipo de perfil, alertando que o simples falar e pensar em relação ao que é bom, não faz com que esse homem seja justo e bom, não o aproxima do bem. Mesmo que para alguns aparentem praticar o bem, sua imagem interior será sempre obscura e nefasta. Se externamente isto o regozija, internamente o faz sofrer. Portanto, por mais que aos olhos da vítima do assédio moral, seu algoz pareça triunfante e feliz, este, no seu íntimo, sofre tanto quanto sua vítima, mesmo que disso não se aperceba.

Aliás, este é um ponto interessante de interseção entre o pensamento ético de Aristóteles e o fenômeno do assédio moral. Isto porque o bem seria o referencial em cujo interesse incidiria todas as ações do homem. Logo, o bem seria a finalidade das ações. O bem supremo é absoluto, sendo desejável em si mesmo e não funcionando como instrumento para se alcançar outros interesses menos nobres.

Aristóteles, em seu livro “Ética a Nicômaco” (1097 b), afirma que esse bem supremo nada mais é do que a felicidade. Através das ações positivas, praticadas num contexto ético e moral, o homem materializa o bem, alcançando a felicidade:
(1097 b) Ora, parece que a felicidade, acima de qualquer outra coisa, é considerada como esse sumo bem. Ela é buscada sempre por si mesma e nunca no interesse de outra coisa; enquanto que a honra, o prazer, a razão, e todas as demais virtudes, ainda que as escolhamos por si mesmas (visto que as escolheríamos mesmo que nada dela resultasse), fazemos isso no interesse da felicidade, pensando que por meio dela seremos felizes. Mas a felicidade, ninguém a escolhe tendo em vista alguma outra virtude, nem, de uma forma geral, qualquer coisa além dela própria.

Ressalte-se, no entanto, que estamos nos referindo à verdadeira felicidade, aquela que abranda almas e corações, e não à pseudofelicidade, que advém de conquistas e atitudes que massacram o semelhante e determinam um mórbido prazer ao algoz. É nesta posição que se encontra aquele que implementa o assédio moral. É um infeliz, pois busca a felicidade com instrumentos equivocados e atitudes desvirtuadas.

Experimenta de um prazer perverso, imaginando erroneamente que conseguiu a felicidade. No entanto, sendo a felicidade uma manifestação perfeita, que torna a vida desejável e destituída de qualquer carência, por óbvio que o assediador não a terá conquistado, uma vez que repetirá, certamente, sua conduta agressiva e tirânica, fazendo outras vítimas.

Detectamos, portanto, o estado em que verdadeiramente se encontram aqueles que protagonizam no pólo ativo o assédio moral: a infelicidade. Certamente procuram na opressão, àqueles que se encontram hierarquicamente num patamar inferior, suprir carências e traumas suportados em suas vidas, tanto no contexto pessoal, quanto no contexto profissional. Com o assédio moral, sentem-se poderosos, inatingíveis, donos do destino de seus semelhantes. No entanto, Aristóteles, referindo-se à prática da atividade virtuosa, já alertava (“Ética a Nicômaco” - [1099 a]):

E do mesmo modo como nos Jogos Olímpicos não são os homens mais belos e os mais fortes que conquistam a coroa, mas os que competem (pois é no meio destes que surgirão os vencedores), assim também as coisas nobres e boas da vida só são conquistadas pelos que agem retamente.

Portanto, sendo a vida desencadeada com base em atitudes virtuosas, será aprazível por si mesma, sendo o prazer um estado próprio da alma. Aristóteles afirma que “para cada homem é agradável aquilo que ama...”, mas não somente as coisas relacionadas à matéria ou aos prazeres materiais, como também a prática da justiça e da virtude. No entanto, adverte que somente ao término de uma vida reta o homem poderá dizer-se feliz. Enquanto vive na virtude, o homem estará construindo sua felicidade, mesmo quando se defronta com grandes percalços em sua vida. É neste ponto que o homem de bem revela seu caráter, pois a nobreza de sentimentos é melhor perceptível diante dos grandes reveses que a vida impõe. Neste ponto podemos questionar: em que se relaciona este raciocínio com o assédio moral? Ora, uma vez definido que o assediador é um ser humano infeliz, que utiliza o assédio moral para suprir carências da alma, provocadas por experiências traumáticas, podemos concluir ainda que o assediador é um fraco, pois não utilizou as experiências negativas em sua vida como instrumento solidificador de seu caráter, mas sim se deixou corromper e dominar por suas fraquezas e pela prepotência.

Certo é que a virtude moral é decorrente do hábito e não da natureza do ser humano. É o exercício contumaz da virtude moral que arraigará no homem o seu espectro, posto que o hábito não modifica a natureza. Portanto, a prática da virtude moral, que conduz o homem à verdadeira felicidade, não nasce com ele, mas é construída a partir de condutas positivas reiteradas. Não basta uma atitude virtuosa isolada para determinar o alcance do bem, mas sim fazer desta um estilo de vida. O assediador moral, via de regra, segue caminho contrário ao pregado pela Ética aristotélica; pois faz das atitudes nefastas e prepotentes seu modo de vida, mesmo que eventualmente pratique algumas atitudes virtuosas, que por serem escassas estarão longe de conduzi-lo à felicidade.

O assediador moral é um ser humano que perdeu, ou nunca teve, o sentido de equilíbrio (mediania). Geralmente, ao analisarmos a conduta e as motivações do assediador, poderemos detectar um perfil que se aproxima dos extremos. Quando afirmamos que o assediador é, antes de tudo, um fraco, não falamos sem razão. Duas virtudes enunciadas por Aristóteles estão relacionadas a esta característica do assediador: a coragem e a temperança. No pensamento de Aristóteles (“Ética a Nicômaco” [1104 a/20]) podemos identificar o perfil do assediador, que se entrega aos extremos, gerando reprimendas internas que são exteriorizadas através do assédio moral, como uma espécie de válvula de escape:

O homem que tem medo de tudo e de tudo foge, não enfrentando nada, torna-se um covarde; e de outro lado, o homem que não teme absolutamente nada e enfrenta todos os perigos, torna-se temerário. De modo análogo, o homem que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum torna-se intemperante, ao passo que o homem que evita todos os prazeres, como fazem os rústicos, torna-se de certo modo insensível.

Ora, basta analisar o perfil de cada um dos assediadores que certamente identificaremos uma das características acima definidas. São pessoas ligadas aos extremos, que não conseguem definir equilíbrio em suas relações de vida. Ou é um covarde que, acomodado em seu cargo, não se lança em projetos de vanguarda, ficando a temer a ascensão de outros companheiros (que geralmente se tornam vítimas do assédio moral), que podem com mais competência vir a conquistar seu cargo ou mesmo um lugar de mais destaque; ou, da mesma forma, é um covarde porque foge de seus próprios preconceitos ou invés de lutar contra eles e dominá-los. Desta modalidade de covardia surge o assédio moral provocado por motivações racistas (cor, religião, raça etc). Do outro lado encontramos a pessoa extremamente voluntariosa, que nada teme, enfrentando todos os perigos de forma temerária, sem ponderações. Estes são os assediadores impulsionados pelo desejo de eliminar qualquer tipo de obstáculo ou problema em seu caminho. Não tenta contorná-los, nem tampouco resolvê-los; não auxilia ao subordinado que está envolvido na questão; simplesmente opta por eliminar o problema. O instrumento para concretizar tal intento, não raras as vezes, é o assédio moral. Muitas vezes encontramos um trabalhador que passou por problemas envolvendo sua saúde ou de pessoa da família, perda de entes queridos, perdas financeiras, dentre outras, que necessitam de apoio, respeito e compreensão. O assediador moral temerário sente-se incomodado em ter que administrar tais problemas que, por evidente, afetam o bom desenvolvimento do trabalho podendo colocar seu negócio ou seu cargo em xeque. Portanto, para atingir seus objetivos, prefere eliminar o problema a solucioná-lo. Nesse jogo, acaba por destruir a vida de sua vítima, já fragilizada pelas próprias vicissitudes do cotidiano pessoal, ainda se vê obrigado a suportar uma carga de humilhações no trabalho. Tais vítimas, em especial, são aquelas com maior propensão ao suicídio. A intemperança também figura como uma característica peculiar de determinado tipo de assediador moral. Tal indivíduo se entrega totalmente a qualquer tipo de prazer, sem realizar ponderações. Quando o prazer está relacionado a qualquer fator do ambiente de trabalho ou até mesmo relacionado à vítima do assédio, o assediador tudo faz para alcançar ou preservar o seu objeto de prazer.

Não raramente este tipo de assédio moral configura-se em um momento posterior ao que poderia ser um assédio sexual. Quando o objeto de prazer está concentrado em um trabalhador, poderia o assediador valer-se de sua posição para compeli-lo a ceder a seus intentos românticos, caso tenha sido repelido. No entanto, esse tipo de intemperante, via de regra, é um covarde. Sequer possui a “coragem” para capitanear um assédio sexual. Mas, passa a fomentar, com base em seu desejo de vingança por não ter sido aceito, uma série de perseguições e humilhações, muitas delas veladas, protagonizando, assim, o assédio moral. Por outro lado, o assediador moral também pode apresentar um perfil contrário ao do intemperante, rejeitando todo e qualquer tipo de prazer. Esse tipo de indivíduo fica extremamente incomodado quando percebe que seus subordinados estão experimentando de qualquer espécie de prazer. Ficam indignados com a alegria do semelhante, não suportando constatar que alguém com menos expressão profissional possa experimentar da alegria e do prazer que ele ao fundo deseja, mas não consegue alcançar porque se deixa dominar pela repressão interior. Para este tipo de pessoa é inadmissível a alegria do subordinado por ter ido a um baile, a uma festa, praticado esportes, viajado, tomado uma cerveja ou mesmo por ter brincado com um filho. Isto tudo constrói um desejo oculto de vingança, que é implementado através do assédio moral.

De uma forma ou de outra, qualquer que seja o perfil do assediador, tudo converge para uma mesma constatação: é ele um fraco, porque demonstrou ser incapaz de construir sua própria felicidade, deixando de praticar atitudes que o conduziriam à conquista do bem.

Tal realidade demonstra que Aristóteles estava correto quando afirmou que “a virtude deve ter a qualidade de visar ao meio-termo” (“Ética a Nicômaco” - [1106 b/15)]). Isto porque a virtude moral está relacionada com as paixões e ações; portanto, qualquer desvirtuamento do sentido de equilíbrio, quer seja por excesso ou por carência, resultará no desvirtuamento do próprio sentido da virtude, que pode ser materializado de diversas formas, inclusive, conforme acima relatado, pelo assédio moral. Portanto, muitas são as maneiras de se chegar ao erro, mas somente uma de atingir o acerto. O excesso e a carência conduzem ao erro, uma vez que são dois vícios, mas a mediania introduz a virtude moral. Ao assediador moral falta exatamente este sentido de equilíbrio, posto que sempre é pessoa ligada aos extremos. Logo, não existe virtude ou equilíbrio em relação às paixões e atos extremados. Ressalte-se, no entanto, que a mediania que determina a virtude, não é exatamente a posição central entre os extremos, mas sim a posição de equilíbrio. Logo, a coragem, que representa uma das medianias da virtude, está bem mais próxima do extremo temerário, que do extremo covarde.

Outro ponto de apoio relacionado à análise do caráter do assediador moral reside na contraposição deste ao conceito aristotélico de magnanimidade. Aristóteles assim descreveu tal característica, em “Ética a Nicômaco” - [1123 b]:

Chamamos magnânimo o homem que se considera digno de grandes coisas e está à altura delas; pois aquele que se arroga uma dignidade da qual não está a altura é um tolo, e nenhum homem virtuoso é tolo ou ridículo.

Portanto, podemos aí verificar mais uma característica do assediador moral. Geralmente considera-se digno de grandes realizações e grandes homenagens, enxergando-se como alguém acima do bem e do mal, mesmo que a função a qual ocupe não seja de tanta relevância no contexto da empresa. Com base nesta falsa percepção o indivíduo passa a subjugar seus subordinados e em relação àqueles que mais o incomodam, por diversos motivos já expostos, passa a gerar o assédio moral, como instrumento de afirmação de sua “grandiosidade”. Na verdade, este tipo de assediador, o qual, sem dúvida, a maioria dos trabalhadores bem conhece, nada mais é do que um tolo, um ridículo, encarcerado em um mundo irreal, algemado em valores pífios, prepotentes e imaginários. Como todos os assediadores, é um covarde, um fraco, que utiliza uma relação funcional para, através de uma violência perversa, minar seus subordinados e os levarem a uma situação de desqualificação e desestabilização emocional em relação à organização e ambiente de trabalho, determinando, assim, conseqüências físicas, psicológicas, sociais e financeiras terríveis, que podem até mesmo conduzir a vítima à morte.

Segundo a Ética aristotélica, a honra é a finalidade de todas as virtudes. Se o homem virtuoso é conduzido ao bem, logicamente é também um homem honrado. O assediador moral é destituído da virtude moral, não busca o bem na sua essência, sendo, portanto, um homem sem honra. A honra é o maior de todos os bens exteriores, sendo ela o prêmio dos virtuosos, somente concedido aos bons. Já a magnanimidade é o ápice das virtudes; no entanto, não é possível ser verdadeiramente magnânimo sem ser detentor de um caráter bom e nobre. Daí confirmarmos ser o assediador moral também é destituído da magnanimidade; mesmo porque o magnânimo age sempre com justiça, fator este completamente ausente no assédio moral. Sendo assim, o magnânimo relaciona-se com a honra em grande escala, enquanto que o vaidoso e prepotente ignora a si mesmo, buscando a honra sem merecê-la. Esta faceta pode ser atribuída a grande parte dos assediadores, uma vez que o produto de suas atitudes é reflexo de seu caráter vaidoso e prepotente.

Na verdade, o assediador moral, em relação ao desejo da honra, pode apresentar características extremas, quer desejando-a em demasia e buscando-a em fontes distorcidas, quer a rejeitando até mesmo quando merecida. Conforme já nos referenciamos, os extremos constituem o vício. O indivíduo pode protagozinar o assédio moral motivado pela ambição desmedida, acreditando que sua vítima é um obstáculo a seu acesso ou manutenção em relação ao poder. Isto porque confunde honra com poder. Assim, aniquilando o obstáculo imagina estar mais próximo da honra. No entanto, aquele destituído de qualquer tipo de ambição em relação à honra pode se transformar também num assediador, na medida em que, aprisionado em um falso conceito de humildade, vê a ascensão de um subordinado como um fator de ameaça a sua função, que é para ele seu “porto seguro”. Assim, utiliza-se da relação hierárquica para desestabilizar o subordinado perante o ambiente de trabalho. Muito embora possa parecer exagerado estabelecer tais características em relação ao assediador moral, se realizarmos uma análise profunda das motivações e do caráter comportamental de tal indivíduo, poderemos verificar a pertinência dessa afirmação. É possível, então, em se tratando de ambição, imaginar-se que difícil é encontrar um ponto de equilíbrio ideal, mas Aristóteles tem a resposta (“Ética a Nicômaco - [1125 b]):

Mas onde há excesso e falta, há também um meio-termo. Ora, os homens desejam a honra tanto mais do que devem, como também menos do que devem; portanto, é possível desejá-la também como se deve.

Se o indivíduo que com sua conduta produz o assédio moral, motivado pela ambição ou falta de ambição, encontrasse a medida correta e equilibrada do desejo de honra, certamente não mais agiria de forma a massacrar seu subordinado, pois estaria destituído do propulsor de sua atitude desvirtuada.

Quando Aristóteles trata do problema da cólera, destina esta a vários tipos de pessoas. Dependendo do perfil de cada uma, pode a cólera ser positiva (quando tomada por uma causa justa); negativa, mas de efeitos rápidos (quando tomada pelos irascíveis, que se encolerizam com facilidade com pessoas e coisas erradas, mas também cessam tal estado com rapidez) e negativa, mas com efeitos duradouros. Destas categorias, a que se encaixa perfeitamente no perfil de determinado grupo de assediadores morais é, sem dúvida, a última. Atribuída às pessoas rancorosas, encolerizam-se com facilidade, alimentando-se de situações geralmente de somenos importância, mas que de alguma forma atingem seu ego. O protagonista de tal “ofensa” é um subordinado nas relações trabalhistas, geralmente porque de alguma forma mereceu elogios de outros superiores, destacou-se em determinado trabalho mais que o assediador ou mesmo ousou discordar de seu algoz. Estas meras ocorrências, sem importância pela sua própria natureza, não raras as vezes geram a cólera por parte do assediador que, envolto por todos os desvirtuamentos de caráter aqui já relacionados, é impulsionado a dar início às humilhações no ambiente de trabalho, sempre valendo-se de sua ascendência hierárquica em relação à vítima. O assédio moral, neste contexto, funciona como instrumento de afirmação do assediador, além de proporcionar-lhe a “válvula de escape” que precisa para retornar à normalidade. Permitimo-nos transcrever precisa abordagem de Aristóteles acerca do perfil desse tipo de indivíduo (“Ética a Nicômaco - [1126 a/20-25]):

As pessoas rancorosas são difíceis de apaziguar e conservam por mais tempo a sua cólera, uma vez que a reprimem; porém a cólera se dissipa quando revidam, pois a vingança os alivia, substituindo-lhes a dor pelo prazer. Se não revidam, continuarão a carregar o fardo do ressentimento, pois como sua cólera não é visível, ninguém pensa em apaziguá-las, e digerir a cólera sozinho é coisa que leva muito tempo. Esse tipo de pessoa causa grandes incômodos a si mesma e a seus amigos mais próximos.

Chamamos de mal-humorados aqueles que se encolerizam com o que não devem, mais do que devem e durante mais tempo, e não podem ser apaziguados enquanto não se vingam.

E finalmente chegamos ao último ponto de análise a que se propõe o presente trabalho: os conceitos de justiça e injustiça construídos pelo pensamento ético de Aristóteles, como interseção ao fenômeno do assédio moral.

Aristóteles adotou, como base geral, a seguinte definição de justo e injusto (“Ética a Nicômaco - [1129 a]):
...a justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto.

A Justiça, neste enfoque, é considerada a maior das virtudes, posto que representa a virtude como um todo, pois incide sobre quem a pratica e sobre o semelhante. Portanto, o justo é um seguidor das leis, sendo um homem probo. O injusto desconsidera a lei, sendo um homem ímprobo, representando o vício também como um todo. Não se pode falar em virtude se a atitude é injusta. Logo, o homem injusto é, por essência, ganancioso, estando esta questão relacionada, por evidente, com os bens. Mas, não são todos os bens que influenciam nas atitudes injustas, mas particularmente aqueles relacionados à prosperidade e a adversidade. É neste ponto que buscamos a compreensão da conduta que envolve o assédio moral. Ganância e vaidade são impulsionadores constantes do assédio moral. As atitudes do assediador são essencialmente injustas, porque destituídas de qualquer conteúdo legal ou moral. Sendo os atos injustos atribuídos a alguma espécie de maldade, concluímos que o assediador, antes de tudo, é um injusto, não se constituindo somente num indivíduo que deixa de buscar o bem, mas sendo aquele que consagra a maldade.

Desta forma, o assediador age voluntariamente tomado por uma deficiência moral, produzindo a injustiça, quer seja o assédio moral. Conhece ele muito bem seus objetivos, não ignora a vítima, nem tampouco o instrumento utilizado e o fim a ser alcançado. Portanto, o assediador age de forma injusta por escolha e não por ignorância. Conforme já revelamos, muitas são as motivações que impulsionam o agir no assédio moral. Todas essa motivações demonstram uma fraqueza de caráter, um desvirtuamento no conteúdo ético e moral do assediador. Todo seu conjunto de ações desponta desprovido da virtude, divorciado da busca pelo bem, consagrador da injustiça.

Portanto, é esta a realidade que se esconde nas atitudes de um assediador moral.

Antes de tudo é ele um fraco, um covarde, que não soube ponderar os valores de sua existência e necessita utilizar-se da iniqüidade para subjugar aqueles que se encontram em um patamar hierárquico subordinado, nas relações trabalhistas. Evidentemente, o assediador moral também revela sua faceta perversa em outros segmentos de sua vida. Porém, encontra terreno mais propício aos seus intentos nas relações de trabalho que encerra com suas vítimas.

A solução para tão grave problema que aflige a sociedade globalizada está na criação de instrumentos de coerção e reprimenda aos assediadores, quer seja responsabilizando-os criminalmente, quer seja desenvolvendo um sistema de responsabilidade civil e administrativa, que os faça sentir no aspecto financeiro e de sua vaidade pessoal a repercussão pelos atos nefastos que cometeu. Importante também estabelecer a visibilidade social do fenômeno, esclarecendo a massa trabalhadora a respeito do assédio moral e de suas conseqüências danosas a toda sociedade.

Poderíamos sintetizar todo pensamento aqui desenvolvido com as singelas palavras do

Papa Gregório XIII: Amai a justiça e odiai a iniqüidade. (PESSÔA, 2001, p. 96)

Por intermédio da análise de fragmentos do pensamento ético de Aristóteles, revelado na obra “Ética a Nicômaco”, pretendemos traçar um paralelo com um dos fenômenos relacionados às relações de trabalho que mais vem afligindo a sociedade moderna: o assédio moral no ambiente de trabalho.

O enfoque foi direcionado às atitudes e motivações típicas do assediador moral, revelando distorções e desvirtuamento de caráter, que servem para explicar a conduta que envolve o assédio moral, muitas vezes não entendida pela própria vítima.

A busca incessante pelo bem deve ser o objetivo de cada indivíduo em sua existência.

Quando não se está alinhado a este pensamento universal, as atitudes acabam por ser destituídas de virtude, o que provoca um sério abalo no conteúdo ético e moral do ser humano. Os efeitos dessa realidade podem ser sentidos em diversas searas.

Especialmente tratamos da repercussão desse desvirtuamento nas relações de trabalho, que vem capitaneando o assédio moral. No entanto, a repercussão transcende os limites da relação trabalhista, uma vez que atinge a saúde física e psíquica da vítima, alastrando-se em relação a seus familiares, afetando a convivência social e suas condições financeiras, sendo que muitas vezes direciona o trabalhador à loucura ou, até mesmo, à morte (por suicídio ou por moléstias derivadas do problema).

O interessante, ao se abordar o problema sob o enfoque proposto, é verificar como pensamento de Aristóteles alastrou-se pelos séculos, sendo capaz de explicar condutas que envolvem um fenômeno atual. Mas, isto é plenamente explicável, pois estamos analisando condutas de indivíduos. Estes permanecem com suas virtudes e vícios, qualquer que seja o tempo em que viveram. Obviamente os valores tendem a variar de acordo com a época; mas existem valores atribuídos ao caráter do ser humano que são invariáveis. São justamente esses valores que são tocados pelo assédio moral. Portanto, nada mais atual que o pensamento ético de Aristóteles.

Com o presente trabalho não encontramos a solução acabada para o problema, e nem essa foi nossa intenção. No entanto, pretendemos provocar uma reflexão em relação ao desvirtuamento dos valores, que acabam por impulsionar o indivíduo a implementar o assédio moral. Assim, apontando tal faceta, é possível que muitos assediadores sejam chamados à consciência e acabem por reconstruir o seu caráter e seus valores; quer seja pela profunda reflexão, quer seja pela contrapartida determinada pela Justiça, indenizando substancialmente a vítima pelas conseqüências determinadas pelo assédio moral. Direito e Filosofia se unem em busca da prevenção e repressão do “psicoterror laboral”.

Fases da Humilhação no Trabalho


A humilhação no trabalho envolve os fenômenos vertical e horizontal.

O fenômeno vertical se caracteriza por relações autoritárias, desumanas e aéticas, onde predomina os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado a produtividade. Com a reestruturação e reorganização do trabalho, novas características foram incorporadas à função: qualificação, polifuncionalidade, visão sistêmica do processo produtivo, rotação das tarefas, autonomia e 'flexibilização'. Exige-se dos trabalhadores/as maior escolaridade, competência, eficiência, espírito competitivo, criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego (empregabilidade) visando produzir mais a baixo custo.

A 'flexibilização' inclui a agilidade das empresas diante do mercado, agora globalizado, sem perder os conteúdos tradicionais e as regras das relações industriais. Se para os empresários competir significa 'dobrar-se elegantemente' ante as flutuações do mercado, com os trabalhadores não acontece o mesmo, pois são obrigados a adaptar-se e aceitar as constantes mudanças e novas exigências das políticas competitivas dos empregadores no mercado global.

A "flexibilização", que na prática significa desregulamentação para os trabalhadores/as, envolve a precarização, eliminação de postos de trabalho e de direitos duramente conquistados, assimetria no contrato de trabalho, revisão permanente dos salários em função da conjuntura, imposição de baixos salários, jornadas prolongadas, trabalhar mais com menos pessoas, terceirização dos riscos, eclosão de novas doenças, mortes, desemprego massivo, informalidade, bicos e sub-empregos, dessindicalização, aumento da pobreza urbana e viver com incertezas. A ordem hegemônica do neoliberalismo abarca reestruturação produtiva, privatização acelerada, estado mínimo, políticas fiscais etc. que sustentam o abuso de poder e manipulação do medo, revelando a degradação deliberada das condições de trabalho.

O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho, reforça atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas que sustentam a 'cultura do contentamento geral'.

Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas que 'carregam' a incerteza de vir a tê-las, mimetizam o discurso das chefias e passam a discriminar os 'improdutivos', humilhando-os.

A competição sistemática entre os trabalhadores incentivada pela empresa, provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro. A exploração de mulheres e homens no trabalho explicita a excessiva freqüência de violência vivida no mundo do trabalho. A globalização da economia provoca, ela mesma, na sociedade uma deriva feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho, mas socialmente. Este fenômeno se caracteriza por algumas variáveis:
Internalização, reprodução, reatualização e disseminação das práticas agressivas nas relações entre os pares, gerando indiferença ao sofrimento do outro e naturalização dos desmandos dos chefes.

Dificuldade para enfrentar as agressões da organização do trabalho e interagir em equipe.

Rompimento dos laços afetivos entre os pares, relações afetivas frias e endurecidas, aumento do individualismo e instauração do 'pacto do silêncio' no coletivo.

Comprometimento da saúde, da identidade e dignidade, podendo culminar em morte.
Sentimento de inutilidade e coisificação. Descontentamento e falta de prazer no trabalho.

Aumento do absenteísmo, diminuição da produtividade.

Demissão forçada e desemprego.

A organização e condições de trabalho, assim como as relações entre os trabalhadores condicionam em grande parte a qualidade da vida. O que acontece dentro das empresas é, fundamental para a democracia e os direitos humanos. Portanto, lutar contra o assédio moral no trabalho é estar contribuindo com o exercício concreto e pessoal de todas as liberdades fundamentais. É sempre positivo que associações, sindicatos, coletivos e pessoas sensibilizadas individualmente intervenham para ajudar as vítimas e para alertar sobre os danos a saúde deste tipo de assédio.

Os Espaços da Humilhação


•As empresas
• Começar sempre reunião amedrontando quanto ao desemprego ou ameaçar constantemente com a demissão.
• Subir em mesa e chamar a todos de incompetentes.
• Repetir a mesma ordem para realizar uma tarefa simples centenas de vezes até desestabilizar emocionalmente o trabalhador ou dar ordens confusas e contraditórias.
• Sobrecarregar de trabalho ou impedir a continuidade do trabalho, negando informações.
• Desmoralizar publicamente, afirmando que tudo está errado ou elogiar, mas afirmar que seu trabalho é desnecessário à empresa ou instituição.
• Rir a distância e em pequeno grupo; conversar baixinho, suspirar e executar gestos direcionado-os ao trabalhador.
• Não cumprimentar e impedir os colegas de almoçarem, cumprimentarem ou conversarem com a vítima, mesmo que a conversa esteja relacionada à tarefa. Querer saber o que estavam conversando ou ameaçar quando há colegas próximos conversando.
• Ignorar a presença do/a trabalhador/a.
• Desviar da função ou retirar material necessário à execução da tarefa, impedindo o trabalho.
• Exigir que faça horários fora da jornada. Ser trocado/a de turno, sem ter sido avisado/a.
• Mandar executar tarefas acima ou abaixo do conhecimento do trabalhador.
• Voltar de férias e ser demitido/a ou ser desligado/a por telefone ou telegrama em férias.
• Hostilizar, não promover ou premiar colega mais novo/a e recém-chegado/a à empresa e com menos experiência, como forma de desqualificar o trabalho realizado.
•Espalhar entre os colegas que o/a trabalhador/a está com problemas de origem nervosa.
• Sugerir que peça demissão, por sua saúde.
• Divulgar boatos sobre sua moral.
• Sofrer constrangimento publico e ser considerado mentiroso.
• Ser impedido de questionar. Mandar calar-se, reafirmando sua posição de 'autoridade no assunto'.
• Menosprezar o sofrimento do outro.
• Ridicularizar o doente e a doença.
• Empurrar de um lugar para outro e não explicar o diagnostico ou tratamento recomendado.
• Ser tratado como criança e ver ironizados seus sintomas.
• Ser atendido de porta aberta e não ter privacidade respeitada.
• Ter seus laudos recusados e ridicularizados
• Não ter reconhecido seus direitos ou não ser reconhecido como 'um legitimo outro' na convivência.
• Aconselhar o/a adoecido/a pedir demissão.
• Negar o nexo causal.
• Dar alta ao adoecido/a em tratamento, encaminhando para a produção.
• Negar laudo médico, não fornecer cópia dos exames e prontuários.
• Não orientar o trabalhador quanto aos riscos existentes no setor ou posto de trabalho.
• Política de reafirmação da humilhação nas empresas
a) com todos os trabalhadores
• Estimular a competitividade e individualismo, discriminando por sexo: cursos de aperfeiçoamento e promoção realizado preferencialmente para os homens.
• Discriminação de salários segundo sexo.
• Passar lista na empresa para que os trabalhadores/as se comprometam a não procurar o Sindicato ou mesmo ameaçar os sindicalizados.
• Impedir que as grávidas sentem durante a jornada ou que façam consultas de pré-natal fora da empresa.
• Fazer reunião com todas as mulheres do setor administrativo e produtivo, exigindo que não engravidem, evitando prejuízos a produção.
• Impedir de usar o telefone em casos de urgência ou não comunicar aos trabalhadores/as os telefonemas urgentes de seus familiares.
• Impedir de tomar cafezinho ou reduzir horário de refeições para 15 minutos. Refeições realizadas no maquinário ou bancadas.
• Desvio de função: mandar limpar banheiro, fazer cafezinho, limpar posto de trabalho, pintar casa de chefe nos finais de semana.
• Receber advertência em conseqüência de atestado médico ou por que reclamou direitos.
b) discriminação aos adoecidos e acidentados que retornam ao trabalho
•Ter outra pessoa no posto de trabalho ou função.
•Colocar em local sem nenhuma tarefa e não dar tarefa. Ser colocado/a sentado/a olhando os outros trabalhar, separados por parede de vidro daqueles que trabalham.
•Não fornecer ou retirar todos os instrumentos de trabalho.
•Isolar os adoecidos em salas denominadas dos 'compatíveis'. Estimular a discriminação entre os sadios e adoecidos, chamando-os pejorativamente de 'podres, fracos, incompetentes, incapazes'.
•Diminuir salários quando retornam ao trabalho.
•Demitir após a estabilidade legal.
•Ser impedido de andar pela empresa.
•Telefonar para a casa do funcionário e comunicar à sua família que ele ou ela não quer trabalhar.
•Controlar as idas a médicos, questionar acerca do falado em outro espaço. Impedir que procurem médicos fora da empresa.
•Desaparecer com os atestados. Exigir o Código Internacional de Doenças - CID - no atestado como forma de controle.
•Colocar guarda controlando entrada e saída e revisando as mulheres.
•Não permitir que conversem com antigos colegas dentro da empresa.
•Colocar um colega controlando o outro colega, disseminando a vigilância e desconfiança.
•Dificultar a entregar de documentos necessários à concretização da perícia médica pelo INSS.
•Omitir doenças e acidentes.
•Demitir os adoecidos ou acidentados do trabalho.
•É possível estabelecer o nexo causal?

Segundo Resolução 1488/98 do Conselho Federal de Medicina, "para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar:

A história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

O estudo do local de trabalho;

O estudo da organização do trabalho;

Os dados epidemiológicos;

A literatura atualizada;

A ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas;

A identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes, e outros;

O depoimento e a experiência dos trabalhadores;

Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área de saúde." (Artigo 2o da Resolução CFM 1488/98).

Acrescentamos:

Duração e repetitividade da exposição dos trabalhadores a situações de humilhação.

O Brasil ainda não tem uma lei específica que trata desta matéria (tanto no âmbito federal, quanto em várias cidades e estados existem projetos de lei em elaboração para coibir o assédio moral). Ainda assim, o trabalhador vítima de assédio moral pode processar seus chefes e empregadores por danos morais em virtude de humilhações sofridas. Para isso é muito importante reunir o maior número de provas que caracterizam o assédio, como troca de e-mails, testemunhas dispostas a falar, etc. e procurar a justiça comum.

Seqüelas Físicas e Psicológicas

O assédio pode ser encarado como um trauma na vida do indivíduo.
Isto porque gera, muitas vezes, seqüelas físicas e psicológicas de tal ordem na vítima, que lembram cicatrizes, pois podem até não doer tanto no futuro, mas ficarão indelevelmente marcadas na história daqueles indivíduos.

Dentre estas seqüelas, tem-se observado que a maioria das pessoas ofendidas passou a padecer das formas mais graves de tensão, ansiedade, cansaço e depressão, com a necessidade médica de tratamentos, particularmente de natureza psicológica.

Uma investigação realizada pela Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL) concluiu, em relação ao assédio sexual, que o mesmo produzia um meio de trabalho tenso e hostil, observando-se nas vítimas, por meio dos estudos médicos realizados, dores de cabeça, pescoço, estômago e costas, com uma diminuição considerável da concentração e um manifesto desinteresse pelo trabalho, com o surgimento/aprofundamento de sintomas como insônia, indiferença e depressão [06], o que demonstra a correlação desta figura com a segurança, saúde, integridade física e moral das pessoas.

Caracterização da despedida indireta


O assédio também caracteriza, do ponto de vista do direito positivo brasileiro, uma hipótese de despedida indireta (ou demissão forçada, como prefere denominá-la José Martins Catharino) do(a) trabalhador(a).

Seu enquadramento se dará, em regra, na alínea "e" ("praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama") do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A depender, porém, da situação fática correspondente, o enquadramento poderá se dar na alínea "c" ("correr perigo manifesto de mal considerável"), caso seja admitida, pelo direito positivo brasileiro, a hipótese de tentativa de assédio moral.

Ressalte-se, porém, que a despedida indireta é sempre uma situação de extrema delicadeza, pois significa, em última análise, que a situação laboral se deteriorou de tal forma que o trabalhador prefere abrir mão de seu posto de trabalho – fonte normalmente única de sua subsistência – a continuar se submetendo às condutas que lhe são impostas pelo empregador ou seus prepostos.

O dano moral e sua reparação


A esfera extra patrimonial dos indivíduos é profundamente violentada com a prática do assédio.

De fato, o cerceamento dos valores da dignidade e da liberdade fere profundamente um âmbito da personalidade do ser humano que não pode ser reduzido pecuniariamente.

A fórmula encontrada pelo ordenamento jurídico para reparar tal dano foi a possibilidade jurídica de estipulação de uma compensação, não necessariamente pecuniária (apesar de ser, frequentemente, a mais adotada), para tentar amenizar a dor sofrida pela vítima. Esta sanção pelo dano moral poderá, inclusive, consistir em uma retratação ou desagravo público, o que, de certa forma, também compensa a dor sentida pela vítima.

Assim sendo, a reparação civil por danos morais é constantemente invocada quando se fala em assédio moral, havendo, inclusive, quem denuncie a existência de uma "indústria" de milionárias indenizações por danos morais.

Vale destacar, porém, que o pleito poderá versar tanto pelo dano moral, quanto o material, com fundamento em violação do direito à intimidade, assegurado no art. 5°, X, da Constituição Federal de 1988 [07].

Destacamos o sub-tópico do dano moral em relação aos itens anteriores, pelo fato de que o mesmo pode decorrer não somente do assédio moral em si, mas também das eventuais represálias perpetradas pela recusa da vítima (tais como recusa de promoções, transferências de função ou local de trabalho, despedida etc.), o que é ainda mais agravado quando, em que pese ser denunciada a conduta indesejada e reiterada de natureza psicológica, não são adotadas, em troca, quaisquer medidas, durante a vigência da relação de direito material, contra o ofensor.

Do ponto de vista do assediante


O ordenamento jurídico não pode, nem deve deixar que o assediante, violentador da dignidade da vítima, fique impune pelos atos praticados.

As conseqüencias para o assediante podem ser analisadas sob três ordens: trabalhista (caracterização de justa causa para a extinção do vínculo empregatício), civil (responsabilidade patrimonial direta pelo dano causado) e criminal (aplicação de sanções penais, caso os atos praticados se enquadrem em tipo previamente existente).

Vejamos, pois, estas conseqüências.

Justa causa
No assédio moral praticado por empregado contra colega de trabalho, a hipótese é, visivelmente, de justa causa para a extinção do contrato de trabalho, com fundamento no artigo 482, alínea "j" ("ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em legítima defesa, própria ou de outrem") da Consolidação das Leis do Trabalho.


Responsabilidade patrimonial
Em matéria de assédio (tanto sexual, quanto moral), alguns ordenamentos jurídicos, no Direito Comparado, albergam previsões de responsabilidade patrimonial do empregado assediador, independentemente da responsabilidade patrimonial da empresa [08].

Esta é uma medida das mais louváveis, uma vez que o efetivo violador da moralidade média foi o empregado, e não diretamente a empresa empregadora.

Todavia, tal disciplina muitas vezes impossibilita a efetiva reparação dos danos, por falta de condições financeiras do agente assediante.

No Brasil, a sistemática do direito positivo trouxe previsão de responsabilidade civil objetiva do empregador pelos atos dos seus prepostos, independentemente e sem prejuízo da possibilidade de responsabilização direta do agente causador do dano, conforme verificaremos em tópico posterior, em que esmiuçaremos a matéria.

Todavia, isto não exclui, a possibilidade de uma ação própria, ainda que regressiva, do empregador contra o empregado assediante/assediador, para ressarcimento dos gastos que teve pelo ato imputável a este empregado.

Acreditamos que é possível, inclusive, a denunciação da lide do empregado assediante, na ação ajuizada pelo empregado assediado contra a empresa, de forma a verificar especificamente a delimitação de responsabilidades pelo ato discutido em juízo.

Este nosso posicionamento, inclusive, nos parece respaldado pela previsão do §1º do art.462 consolidado - que traz a regra geral sobre a possibilidade de descontos no salário do trabalhador ("Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.") – que expressamente preceitua: "Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado."

Não se deve erigir a grau absoluto a responsabilidade objetiva do empregador quanto ao assédio praticado nas relações de trabalho por seus agentes ou prepostos, pois isto seria instituir um enorme risco à atividade empresarial, estimulando uma verdadeira febre de indenizações, sem responsabilizar os autores diretos do atos considerados ilícitos, sob a perspectiva da dignidade psíquica.

Estas idéias serão melhor trabalhadas em tópico posterior.

Conseqüências criminais


Além das conseqüências trabalhistas (justa causa) e civil (responsabilidade patrimonial) do empregado assediador, é possível existir, ainda, uma responsabilização criminal, caso a conduta ou os atos praticados se enquadrem em alguma das previsões tipificadas no vigente Código Penal brasileiro.

Do ponto de vista do empregador


O assédio prejudica também, e de vários modos, a empresa empregadora, ocasionando absenteísmo, queda de produtividade e substituição de pessoal, além da possibilidade concreta de responsabilização patrimonial – em condenações judiciais por danos morais e materiais – por força dos atos de seus empregados (assediadores).
Conseqüências pecuniárias diretas

Em termos de organização empresarial, o assédio gera, normalmente, diversas conseqüências peculiares diretas, a saber, o custo do absenteísmo, a queda de produtividade e a rotatividade da mão-de-obra.

Analisemos, ainda que rapidamente, estas três conseqüências.
a) Custo do absenteísmo
Os empregados assediados tendem a faltar ao serviço, ainda que muitas vezes formalmente sem justificação, como uma forma de "escapar" do comportamento assediador de seus algozes.

De fato, não é raro também o afastamento, com a suspensão do contrato de trabalho, mediante a apresentação de atestados médicos, demonstrando/comprovando situações em que o os empregados (assediados) necessitam de afastamento do local de trabalho.

Ressalte-se que não se trata aqui de falsificação de atestados médicos, mas sim a manifestação direta das seqüelas físicas e psicológicas a que os assediados estão sujeitos, levando-os à somatização de suas apreensões, com o surgimento de doenças que justificam o afastamento do trabalho.

Esta ausência dos trabalhadores é bastante grave para a empresa, principalmente se o trabalhador for especializado na sua atividade, não havendo como substituí-lo imediatamente, o que leva a uma conclusão apriorística de que o assédio moral de empregados que exercem funções com conhecimento especializado é muito mais danoso à empresa do que o relativo a outras situações.

b) Queda de produtividade
Ainda que o trabalhador permaneça laborando no seu local habitual de trabalho, apesar do assédio, é perfeitamente natural - e, por isso, dentro das expectativas médias sobre o problema - que a sua produtividade caia visivelmente.
Isto porque não há como se exigir, razoavelmente, que um empregado, vítima de assédio, possa ter a tranqüilidade e a paz de espírito necessárias para o regular desempenho de suas atividades laborais.
Desta forma, novamente, o assédio gera uma conseqüência pecuniária danosa direta ao empregador, pois a queda da produtividade do empregado diminuirá, certamente, sua expectativa de ganho, o que é ainda mais dramático em uma economia globalizada como a contemporânea.
Como se isso não bastasse, o conhecimento, pelos demais empregados, da existência de um caso de assédio não apurado ou não punido gera uma insegurança e intranqüilidade no ambiente de trabalho, notadamente naqueles operários que estejam em situação pessoal e funcional semelhante à da vítima, levando também a uma queda geral de produtividade, onerando excessivamente a organização empresarial.
c) Rotatividade da mão-de-obra
Chegando à situação limite dramática de impossibilidade da continuidade do vínculo empregatício, mais uma conseqüência pecuniária terrível surgirá para o empregador.
De fato, além do pagamento das verbas rescisórias devidas pela extinção do vínculo empregatício (o que, segundo os apóstolos do combate ao denunciado "custo Brasil", já é um valor elevado para a maioria dos pequenos e médios empresários), o trabalho decorrente em da rotatividade da mão-de-obra também gera custos.
Com efeito, ter que treinar novos trabalhadores para a função outrora exercida pelo empregado assediado afastado, gerará um custo financeiro não previsto, originalmente, na programação orçamentária de qualquer empresa.
Além disso, uma grande rotatividade da , mão-de-obra gera insegurança dentro da organização (notadamente para aqueles que desconhecem os fatos geradores desta dispensa), pelo temor de dispensas em massa, o que afeta também a produtividade, como tópico anterior.
Como se isto não bastasse, vale lembrar que esta rotatividade não ocorre somente em função de extinções de vínculos empregatícios, mas também em função de transferências de local de trabalho ocorridas para evitar novos contatos entre assediante e assediado no ambiente laboral.
Responsabilidade civil
De acordo com o novo ordenamento jurídico, a responsabilidade civil do empregador por ato causado por empregado, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, deixou de ser uma hipótese de responsabilidade civil subjetiva, com presunção de culpa (Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal), para se transformar em uma hipótese legal de responsabilidade civil objetiva.
A idéia de culpa, na modalidade in eligendo, tornou-se legalmente irrelevante para se aferir a responsabilização civil do empregador, propugnando-se pela mais ampla ressarcibilidade da vítima, o que se mostra perfeitamente compatível com a vocação de que o empregador deve responder pelos riscos econômicos da atividade exercida.
E essa responsabilidade é objetiva, independentemente de quem seja o sujeito vitimado pela conduta do empregado, pouco importando que seja um outro empregado [09] ou um terceiro ao ambiente laboral (fornecedor, cliente, transeunte etc).
Todavia, essa responsabilização civil do empregador, de forma objetiva, pode ensejar quem sustente que isso poderia estimular conluios entre o empregado e a vítima, com o intuito de lesionar o empregador.
Se a tentação para o mal é uma marca humana, o Direito não deve se quedar inerte diante de tal condição.
E demonstraremos isso nos próximos dois tópicos.
a) Responsabilidade Civil do Empregado em Face do Empregador.
A redação do art.934 do Código Civil brasileiro de 2002 (art.1.524, CC-16) enseja o direito de regresso daquele que ressarciu o dano causado por outrem [10].
No campo das relações de trabalho, contudo, o dispositivo deve ser interpretado em consonância com o já mencionado art.462 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe, in verbis:
"Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.
§ 1º. Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado."
Assim, para que o empregador possa descontar valores referentes a danos causados culposamente pelo empregado, será necessária a pactuação específica, seja prévia, seja quando da ocorrência do evento danoso, o que é dispensável, por medida da mais lidima justiça, no caso de dolo, o que é evidente no caso de assédio moral.
Da mesma forma, o elemento anímico deverá ser comprovado pelo empregador, evitando abusos que importariam na transferência do risco da atividade econômica para o empregado.
Mais importante, porém, é o fato de que essa regra compatibiliza o caráter tuitivo que deve disciplinar toda norma trabalhista com a rígida regra de direito de que a ninguém se deve lesar, não se chancelando, pela via estatal, a irresponsabilidade de trabalhadores, enquanto cidadãos, pelos atos danosos eventualmente praticados.


Como se Proteger
Mesmo com a possibilidade de processar os empregadores, os trabalhadores quase não recorrem à Justiça. Além do medo do desemprego, o empregado geralmente sente-se inseguro com relação às situações que caracterizam o assédio.
Quem imagina estar sofrendo de assédio moral é que busque a ajuda do RH da empresa. São profissionais aptos e confiáveis para fazer a reclamação. Porém, nos casos em que o chefe direto é o dono da empresa, o correto é pedir demissão e recorrer à Justiça. Antes de pedir demissão, o trabalhador deve reunir o maior número possível de provas que caracterizam o assédio, como troca de e-mails com o chefe tirano e testemunhos de outros funcionários que tenham presenciado cenas de humilhação.
Como Lutar Contra o Assédio Moral
 Tomar nota das humilhações sofridas com data, hora, local, quem foi o agressor, quem testemunhou, o que aconteceu, o que foi falado, etc.
 Procurar ajuda de colegas, em especial daqueles que testemunharam e os que também já sofreram humilhações.
 Evitar conversar com o agressor sem testemunhas.
 Caso seja uma empresa grande, onde o chefe direto não é o dono da empresa, relate o que vem acontecendo ao RH (Recursos Humanos) ou DP (Departamento Pessoal).
 Procurar ajuda de diretores, médicos ou advogados do sindicato ao qual é filiado;
 Relatar o que vem ocorrendo ao Ministério Público;
 Buscar auxílio da Justiça do Trabalho;
 Buscar apoio em Comissões de Direitos Humanos;
 Caso o assédio moral esteja gerando danos à sua saúde, procure um centro de referência e saúde do trabalhador;
 Não se cale e comente o que ocorre com familiares e amigos. Nestas situações a solidariedade é fundamental.

Decisões Judiciais
Ainda se encontram poucos Acórdãos, prevendo a responsabilidade por danos morais, no âmbito do Direito do Trabalho. A título de exemplo, citar-se-ão algumas situações:
- Acórdão 17351/94 da 1ª Turma do e. TRT da 9ª Região, sendo relator o Exmo. Juiz Santino GONÇALVES: um veterinário foi despedido do local onde prestava serviços, configurando o dano moral em virtude do abuso de direito, por ter sido despedido porque era deficiente físico. A prova da deficiência física na locomoção e deglutinação foi efetuada por perícia médica. Determinou-se a readmissão, salários e demais consectários legais, pelo período de afastamento.(10)
- Acórdão da 8ª Turma do e. TRT da 1ª Região, publicado em 14.12.92, onde foi relatora a Exma. Juíza Amélia VALADÃO LOPES: três autores postularam indenização em face da entidade que prestavam serviços, porque foram colocados em disponibilidade durante o governo do Presidente Collor, postulando indenização de 10 (dez) salários por ano de serviço; mas a retratação pública em três jornais, por 2 (dois) dias seguidos. Fixou-se a indenização por tempo de serviço, prevista na CLT, qual seja, um salário por ano de serviço pelo período de disponibilidade; não se acatando a retratação, porque o fato não foi publicado em imprensa escrita.
- Acórdão 2593/96 da 5ª Turma do e. TRT da 15ª Região, onde foi relator o Exmo. Juiz Luís Carlos Cândido Martins SOTERO DA SILVA: neste, a reclamante foi despedida por justa causa, porque teria cometido ato de improbidade, mediando Boletim de Ocorrência. Não houve prova da justa causa imputada, sendo agravada a situação devido ao ser que carregava no ventre. Como a reclamante sinalizou com um valor para a indenização, esta foi acatada, no montante equivalente a 12 (doze) meses de trabalho.(11)
- Acórdão 1148/95 da 3ª Turma do e. TRT da 8ª Região, onde foi relator o Exmo. Juiz José Maria de QUADROS DE ALENCAR: a reclamante foi despedida do emprego que ocupava, por informações desabonadoras da ex-empregadora, porque seria "prostituta e ladra". Submeteu-se a exame de conjunção carnal, comprovando nos autos que era virgem. Assim, como a mesma estava em contrato de experiência por 45 (quarenta e cinco) dias, e não foi prorrogado, a indenização correspondeu ao período de prorrogação, com 1,5 (um e meio) pisos salariais, no valor de R$ 189,50, além da publicação da decisão.

Considerações Finais
A conclusão é no sentido de que o dano moral deve ser analisado e indenizado pela Justiça do Trabalho. O quantum indenizatório variará para cada caso, em virtude da situação concreta, e se possível, levando em consideração o salário do empregado, multiplicado por fatores diversos.

A "dor" mais do que nunca merece o ressarcimento, especialmente nos dias atuais, onde a moral deve ser enaltecida e elevada de todas as formas.



REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco – Texto Integral, trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002.
HIRIGOYEN. Marie-France. Assédio Moral – A Violência Perversa do Cotidiano, trad. de Maria Helena Kühner. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
______________________. Mal-Estar no Trabalho – Redefinindo o Assédio Moral, trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
JÚNIOR, Paulo Ghiraldelli. Ética e Neopragmatismo – Uma Brevíssima Introdução. Site http://www.filosofia.pro.br/textos/etica_e_pragmatismo.htm, em 20/07/2002.
NAMIE, Gary e NAMIE, Ruth. The Bully at Work. Naperville/Illinois: Sourcbooks, 2000.
PÊSSOA, Eduardo. Pensamentos Eternos. Rio de Janeiro: Idéia Jurídica, 2001.
TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética, trad. Aloísio Ruedell e outros. Petrópolis: Vozes, 1996.
(*) ver texto da OIT sobre o assunto no link:
http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/inf/pr/2000/37.htm
Fonte: Barreto, M. Uma Jornada de Humilhações. 2000 PUC/SP
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Texto Integral. trad. Pietro Nassettti. São Paulo: Martin Claret, 2005.
¬¬¬¬¬¬¬EDWARD, José. Assédio Moral: o lado sombrio do trabalho. Revista Veja, ed. 1913, ano 93, nº. 28, São Paulo: Editora Abril, 13 de julho de 2005.
_____________. Assédio moral: Superior aconselhava funcionárias a sair com clientes. Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2005. Disponível em: Acesso em: 27/10/05.
BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho - Uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC - EDITORA DA PUC-SP, 2000.
CAIXETA, Sebastião Vieira. Assédio Moral. Correio Brasiliense, 25/07/2005. Disponível em: . Acesso em 22 set. 2005.

 
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Perfil do colunista

Maria Isabel de Assis
Bacharel em Direito - Pos Graduação em Direito do Trabalho e Previdencia.
 

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Abordagem de temas ligados à Área de Recursos Humanos e Departamento Pessoal - Esclarecimentos de pontos controvertidos da legislação trabalhista.
 

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