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DATA DA PUBLICAÇÃO 13/03/2012 | Internacional
Dividida, oposição da Síria impõe limites a ''revolta'' contra o governo
Guerra de egos e acusações afastam líderes e enfraquecem levante.

ONU acusa regime de Bashar al Assad de 'punição coletiva' contra o povo.

Quase um ano após o início do levante popular contra o regime da Síria, uma forte divisão entre lideranças de oposição continua dificultando o êxito da luta contra o governo do contestado presidente Bashar al Assad.

Ao contrário do que aconteceu em países como Líbia, Egito e Tunísia, onde ocorreram levantes da chamada Revolta Árabe que provocaram mudanças radicais na política nacional, o regime sírio continua de pé, apesar da pressão internacional e das acusações da ONU de que Assad está sujeitando civis a uma "punição coletiva".

O país vizinho criou condições e um ambiente favorável para que as diferentes correntes pudessem coordenar esforços em prol da tão sonhada unificação contra o regime. Mas o resultado é um cenário nebuloso, com direito a acusações de todos os lados, rachas e formação de novos grupos a cada dia.

Nem mesmo a chamada conferência dos “Amigos da Síria”, realizada em 24 de fevereiro na capital tunisiana, ajudou. O único resultado prático do encontro foi o solitário (e informal) reconhecimento do Conselho Nacional Sírio (CNS), o maior dos blocos de oposição, por parte da Inglaterra.

O G1 conversou com representantes de cinco blocos de oposição atuando nos bastidores em busca de membros e reconhecimento, sendo que não há consenso nem mesmo sobre a forma como a comunidade internacional deveria intervir nas revoltas.

Conselhos nacionais
Principal bloco de oposição, o CNS e a grande maioria dos comitês de coordenação espalhados dentro do país pedem pelo armamento e apoio financeiro aos batalhões de civis e desertores que formam o Exército Livre da Síria (ELS), além do estabelecimento de uma zona de buffer, o que segundo eles, protegeria os civis e proporcionaria a oportunidade pela qual milhares de militares estão esperando para trocar de lado, principalmente os do alto escalão.

Ao contrário do CNS, o Conselho Nacional de Coordenação pela Mudança Democrática na Síria (CNC), formado por dissidentes do governo espalhados dentro e fora do país, se opõe à qualquer intervenção militar estrangeira e mantém o diálogo com o regime como fio condutor dos movimentos políticos do grupo. Posicionamento nada popular, em um momento em que as Nações Unidas divulgam dados com cerca de 8.000 vítimas mortas pela violenta repressão das forças de segurança no país, e ativistas estimam um número pelo menos 50% maior.

“Esse grupo discorda com absolutamente todas as reivindicações vindas das ruas, desde o início” diz Ammar alQurabi, organizador da conferência de Antalya e presidente da Organização Nacional pelos Direitos Humanos na Síria. “Como podemos dar crédito para alguém como Haytham alMana’a [principal liderança do CNC], que na contramão da revolução, vai a público pedir para que os manifestantes deixem as ruas e voltem para suas casas?” questiona Wahid Saqr, alauíta desertor do exército exilado em Londres.

Dissidências
Ambos gerenciam cada qual um bloco opositor. O de Saqr é mais antigo, conhecido como Movimento pela Mudança Nacional (MMN), e o de Qurabi, em plena formação, ainda nem foi batizado. Eles mantêm contato entre si e com lideranças como o Sheikh Nawaf Bashir, importante líder regional do país, discutindo possibilidades de cooperação ou mesmo a fusão entre os grupos.

O advogado de Dara’a Hassan alAswad, representante do CNC admite que o grupo tem se distanciado das ruas ao insistir no diálogo para conter a brutalidade do regime, mas rebate as críticas, alegando falta de visão e sensibilidade dos outros blocos.

“Não achamos que quem se recusa a pegar em armas é menos sírio ou patriótico do que os civis que estão se juntando à resistência armada. Nós representamos os que não querem participar de protestos porque tem motivos para tanto. Estou falando de um grande número de pessoas, em especial das minorias”.

Ele lista ainda a crise financeira que assola a Europa, as eleições americanas e a reação negativa da opinião pública com a intervenção na Líbia e a guerra do Iraque para justificar o apoio a uma saída diplomática. “Não queremos uma escalada de violência e também não acreditamos que a comunidade internacional esteja realmente disposta a intervir militarmente por conta de todas essas situações. Por isso devemos focar no plausível, que é o diálogo”.

Feito no palácio
Mesmo com a forte rejeição interna e de outros blocos, que a rotularam de ‘Suni’a fi al qasr al jumhuri’ (feito no palácio da república, em tradução literal), expressão que faz referência aos bordados “made in” das etiquetas, o discurso do CNC ganhou eco nos últimos dias. Antes das visitas a Damasco, que aconteceram no sábado (10) e domingo (11) o enviado especial das Nações Unidas Kofi Annan declarou que a solução para a crise deverá se dar na esfera política. “Eu espero que ninguém esteja realmente pensando no emprego de força militar nessa situação”, disse.

Sendo ou não mera estratégia de mediação para criação de um ambiente amistoso antes da visita, a declaração de Kofi Annan irritou oposicionistas que há tempos rejeitam o diálogo. O presidente do CNS, Burham Ghalium, qualificou os comentários de “desalentadores”, em entrevista à agência de notícias Associated Press. “Parece que estamos vendo o mesmo filme se repetir”, disse, em referência aos inócuos pronunciamentos da secretária de estado americana Hillary Clinton e do secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, desde o início das revoltas.

A próxima parada de Annan será em Doha. O Qatar é favorável ao armamento dos rebeldes e tem suposta participação central em uma das recentes polêmicas que chegou a dividir o CNS, e diz respeito a extensão do mandato de Ghalium à frente da entidade. “Um mês atrás a maioria [da mesa diretora] era contra esse tipo de manobra, até porque um dos princípios do Conselho é a presidência rotativa. De repente, alguns membros mudaram de posição devido a influências regionais e acabei sendo o único a votar contra”, diz Samir Nashar, um dos sete membros da mesa diretora, apontando o Catar como principal responsável pela mudança de posição dos companheiros de conselho.

Novos grupos
O episódio fez com que o advogado Haitham alMaleh, também membro da mesa diretora, anunciasse a criação de um novo grupo dentro do próprio CNS, com a missão de cobrar mudanças e trabalhar pela dinamização do conselho. O "quase" dissidente ganhou a adesão de nomes relevantes no CNS como o ativista de direitos humanos Kamal alAbwani, da advogada cristã Catherine alTalli e de outros representantes de minorias assírias, curdas e alauítas.

Independentemente das críticas e divergências internas, o maior bloco da oposição segue confiando em uma aliança regional sem a participação da ONU e de países árabes, reticientes quanto à intervenção militar. Nashar afirma que enquanto países do norte da África, em especial Egito e Argélia, se posicionam de forma mais moderada, os países do golfo têm sido assertivos em favor de uma intervenção. “O discurso de Munsif [presidente tunisiano recém-eleito] e a postura do príncipe Saud alFaisal [primeiro ministro saudita, que abandonou a conferência em meio ao discurso de Hillary Clinton] no encontro ‘Amigos da Síria’ são o retrato da competição entre as duas correntes na Liga Árabe.”

Signatário e ex-membro da Declaração de Damasco por acreditar que “uma revolução popular é muito maior que uma instituição política” Sheikh Nawaf Bashir também é contrário ao posicionamento do CNC, mas prefere direcionar suas críticas ao CNS, do qual "desertou" por “divergências intransponíveis”, segundo ele.

“70% dos membros do CNS não têm seguidores e nem apoio nas ruas. Esse pessoal que organiza os protestos, que é torturado nas prisões, que leva tiros nas ruas e que enterra amigos e familiares todos os dias deveria estar representado na mesa diretora do conselho por meio dos comitês locais de coordenação, tomando parte nas decisões estratégicas, o que não acontece hoje”, explica.

O empresário Samir Nashar é mais cuidadoso nas observações sobre os blocos concorrentes. “Não acho que o CNC atue lado a lado com o regime como dizem por aí. O problema é que eles estão baseados somente em Damasco e Aleppo, cidades onde há um maior número de empresários que se beneficiaram, economicante, do regime a longo dos anos. E por isso têm medo de mudança”.

Irmandade Muçulmana
“Sempre recusei o CNS porque ele foi criado pela Irmandade Muçulmana e até hoje é gerido por eles com a complacência da Turquia”, dispara Qurabi. “Nós ajudamos o ELS desde o início, enviando suprimentos e trazendo feridos para serem tratados fora do país. Agora eles criaram um ‘escritório militar’ sem qualquer utilidade prática, apenas para cooptar com cargos os que estão lutando nas ruas.”

O engenheiro Mohamad Farouq Tayfour, representante da Irmandade Muçulmana (IM) no CNS, faz questão de mostrar gratidão à Turquia por toda a ajuda que tem oferecido à oposição como um todo, e se defende. “Não faz sentido [a acusação]. Não temos mais de 10% ou 15% das cadeiras do conselho, e eu sou o único representante na mesa diretora”, diz. Quanto ao recente “braço militar” criado pelo bloco, ele explica ser uma tentativa de centralizar o comando de centenas de grupos desordenados que hoje formam os diversos batalhões do ELS, mas que há ainda resistência por parte dos militares desertores e problemas entre eles que devem ser resolvidos antes de uma aproximação.

Saqr afirma que membros da Irmandade têm visitado Damasco frequentemente, negociando ministérios com o regime em troca de moderação no discurso do bloco. “Fida’ alMajdhub e Khaled Kamal sentaram com Bashar e pediram quatro ministérios, mas eles não chegaram a um acordo”. Os dois acusados por Saqr são membros da IM e fazem parte do CNS, mas não foram encontrados pela reportagem. Tayfour classificou as alegações de ‘ridículas’. “Muita gente da oposição realmente pensa que temos um papel muito maior na revolução do que de fato temos. Não a iniciamos, não a lideramos, mas estamos pedindo por ela e elaborando demandas tais quais as que são reivindicadas hoje nas ruas por mais de 30 anos, e portanto, temos o direito de participar, de ser parte integrante desse movimento”.

O número dois da IM para a Síria deixa claro que, mesmo com todos os esforços do partido para afastar a revolução de ideologias e política, a imagem “construída” pela mídia ocidental aliada a eventos violentos envolvendo a IM no Egito dificulta as coisas. “As acusações de Saqr são um exemplo disso, amplificado pelo preconceito de um alauíta que trabalhou por anos pelo exército de Assad e agora quer espaço no outro lado”.

O fato é que 40 anos de perseguição, prisões arbitrárias e exílios forçados ajudaram a lapidar essa oposição rachada que hoje tenta juntar os cacos. É a primeira vez que renomados intelectuais, empresários bem-sucedidos, professores consagrados, líderes regionais e religiosos que vivem na Síria ou espalhados pelo mundo tem a oportunidade de sentar lado a lado e discutir abertamente o futuro do país. “E a parte de todos os problemas que enfrentamos, há ainda muitos conflitos e aspirações pessoais”, lamenta Samir Nashar.

Por Germano Assad - Especial para o G1, em Istambul
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