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DATA DA PUBLICAÇÃO 04/10/2009 | Setecidades
Cego é ''invisível'' na região
Ao invés de ajuda, indiferença. No lugar de solidariedade, dissimulação. Foi isso que constatou o Diário em teste realizado durante três dias para sentir se a população do Grande ABC presta auxílio a deficientes. Houve bons exemplos, mas o que mais chamou a atenção foram os casos de pessoas que ignoravam quem precisava de ajuda.

No teste, dois cegos -, o estudante de jornalismo Felipe Augusto Diogo, 24 anos, e a operária aposentada Irene Maria Lopes, 38 - pararam em esquinas movimentadas de cinco cidades do Grande ABC, aguardando que alguém os atravessasse. Houve demonstrações de solidariedade, mas não foram poucos os que simplesmente não exergaram os deficientes visuais.

Para a diretora do Instituto de Cegos Padre Chico, Ana Maria Pires Alvarez, e para a presidente da ONG Associação de Defesa dos Direitos da Cidadania, de Santo André, Heleni de Paiva, a explicação para o comportamento é a falta de conhecimento sobre como prestar auxílio.

Um dos piores casos aconteceu em São Caetano, na esquina das ruas Nelly Pelegrino e a Visconde de Inhauma, no Bairro Nova Gerty. O teste até começou bem, com Irene esperando apenas dois minutos até que alguém a ajudasse na travessia. Ela se posicionou novamente. Desta vez foram 18 minutos de espera. E ninguém a ajudou. Teve que desistir.

Nesse meio tempo, não foram poucos os que olharam para ela, sem oferecer auxílio. Alguns chegaram a ignorar a presença de Irene, cruzando a sua frente e quase tropeçando na bengala. Cenas semelhantes se reproduziram em esquinas de Santo André, São Bernardo, Diadema, e Mauá.

Nesta cidade, no cruzamento das ruas Coronel Oliveira Lima e Campos Sales, no Centro, um ato de impassividade despertou uma ação solidária. Diogo aguardava o momento para atravessar. Neste instante, um casal se aproximou. A mulher dirigiu um olhar de curiosidade para o cego, e deu um cutucão no parceiro, que passou a olhar na mesma direção. O sinal para pedestres abriu, e eles atravessaram como se nada tivesse acontecido.

Ao presenciar a cena, o bacharel em Direito Sidnei Torres, 45, atravessou a rua e fez questão de oferecer ajuda. "Fiquei indignado com a reação do casal. Eles olharam para ele com indiferença. Há muita falta de solidariedade."

Bom exemplo - Casos como o do bacharel não foram isolados. Na Avenida Dr. Rudge Ramos, em frente a Praça São João Batista, e, São Bernardo, Diogo aguardava para cruzar a pista fora da faixa de pedestres. Em menos de um minuto, o ajudante geral desempregado Ricardo Costa, 27, parou o trânsito, bloqueando a passagem de um ônibus e um carro, para ajudar o deficiente. "Se todo mundo fosse solidário, o planeta seria muito melhor", ensinou Costa.

Preconceito é rotina para deficientesA falta de compreensão e a tentativa das pessoas que enxergam de manter distância dos cegos estão entre os atos considerados mais incômodos para os deficientes visuais.

Irene Maria Lopes descobriu aos 19 anos que a sua deficiência de visão era causada por uma doença chamada retinose pigmentar - na qual a retina passa por um processo gradual de degeneração. Desde então, sua visão foi declinando, até que aos 28 ela foi aposentada por invalidez, quase sem enxergar.

Nesse meio tempo, entretanto, ela ainda pôde notar os olhares de estranhamento que lhe eram dirigidos. "Quando as pessoas olhavam, dava para perceber que elas estavam incomodadas, que apontavam para mim", ressaltou.

Felipe Augusto Diogo sempre foi deficiente visual. Ele nasceu com microoftalmia, uma anomalia caracterizada pelo não desenvolvimento do globo ocular. Segundo ele, o fato de ter feito boa parte de sua trajetória escolar em instituições regulares o ajudou a entender tanto o mundo dos cegos, quanto o daqueles que não são portadores de deficiência.
"Tem muitos deficientes que são estúpidos, que respondem de maneira grosseira quando são questionados por uma pessoa que não é cega. Eles precisam entender que ninguém é obrigado a saber de tudo, e que cabe a nós o papel de orientar e esclarecer", ponderou o rapaz.

Alguns casos, contudo, estão além da sua compreensão. Diogo ressaltou que ele já foi alvo de preconceito por parte de professores, que, entre outras expressões, costumavam afirmar que "estavam pouco ligando para as sua deficiência visual".
Outro ato que o deixa muito impressionado são alguns comentários, que parecem ter saído do livro Ensaio Sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago. "Em pleno século 21, já ouvi várias vezes o comentário de pessoas que pedem para os outros se afastarem de mim, com medo de que a cegueira seja contagiosa. Pura ignorância."
Medo de reação faz pessoas se omit
iremA falta de conhecimento sobre a melhor maneira de tratar um cego é a razão dada por dirigentes de entidades voltadas a portadores de deficiência para justificar os casos de falta de solidariedade, como os flagrados pelo Diário.

Na opinião da diretora do Instituto de Cegos Padre Chico, Ana Maria Pires Alvarez, o medo de prestar um desserviço é uma razão chave pela qual muitas pessoas preferem não ajudar. "Acredito que muito da falta de solidariedade é, na verdade, falta de costume. As pessoas pensam que os deficientes vão ficar nervosos se elas oferecerem ajuda ou, ainda, se cometerem um erro na hora de guiá-los", avalia.
Atitude passiva - Ana Maria destaca, entretanto, que o deficiente não deve ter uma atitude passiva. "Ele deve tomar a iniciativa e pedir ajuda para, por exemplo, cruzar a rua. Ainda mais porque nunca aconselhamos um cego a atravessar a rua sozinho", ressalta.

Opinião semelhante é a da presidente da ONG Associação de Defesa dos Direitos da Cidadania, de Santo André, a ex-vereadora Heleni de Paiva. Ela acredita que, por não saberem como lidar com a situação, muitas pessoas preferem ignorar o deficiente visual. "As pessoas simplesmente não tem treinamento, não sabem como lidar com o deficiente visual, e por isso muitas vezes preferem ignorá-lo, fingem que não veem."

Faltam ações para facilitar acessibilidade dos cegosÁrvores, postes e placas de publicidade são apenas alguns dos obstáculos encontrados pelos deficientes visuais nas suas andanças pelas cidades do Grande ABC. Para eles, as cidades ainda precisam melhorar muito para chegar a um nível razoável de acessibilidade.

"As pessoas não têm consciência, e ainda deixam tudo no meio do caminho. Uma coisa muito ruim são aquelas placas de publicidade que colocam nas esquinas", comentou o estudante cego Felipe Augusto Diogo.
Mesmo nas ações que visam a inclusão dos cegos, Diogo e Irene Maria Lopes ressaltam que ainda existem falhas. "Aqueles sinais de trânsito para deficientes visuais são uma boa idéia, mas que não tem grande utilidade, porque não há como garantir que o motorista irá respeitar o sinal fechado", destacou Diogo.

"Na minha opinião, um grande problema são as agências bancárias. Apesar do piso táctil, que permite o nosso acesso ao local, não existe material em braile para consultarmos. Desse jeito, a gente sempre precisa da ajuda de alguém que tenha visão", ressaltou Irene.

Lei garante acesso de cães guias a todos estabelecimentosUma lei federal de junho de 2005, complementada por um decreto do ano seguinte, obriga os responsáveis por estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo a liberarem a entrada de deficientes visuais e instrutores acompanhados de cães guia.

Essa lei, entretanto, não é cumprida por muitos estabelecimentos, conforme mostra um incidente ocorrido neste ano com membros da Associação Cão Guia para Cegos.

"Chegamos a um hotel de Botucatu (no Interior), e o responsável pelo estabelecimento nos barrou, alegando que só era permitida a entrada de deficientes visuais, e não de instrutores, com cães guia. Para evitar problemas como esse, nós trazemos uma cópia da lei. Entretanto, ele acreditou que o documento era forjado", afirmou o diretor de adestramento da entidade, Adylson Lima, 50 anos.

Por Evandro Enoshita - Diário do Grande ABC
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