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DATA DA PUBLICAÇÃO 09/05/2010 | Setecidades
A Central do Brasil é aqui
Maria Luzia Barros Mendonça não se lembra exatamente quantos anos tinha, mas se lembra bem de quando começou a escrever. Na época, a menina Maria morava na Mooca, bairro da Capital, com a mãe Olívia, analfabeta. A avó Afonsina vivia longe, no município de Mococa, interior de São Paulo, e Maria ri do som dos nomes do bairro em que passou a infância e a cidade que deu origem a sua família. A menina que começava a conhecer as letras escrevia cartas para a avó, a pedido da mãe. Quando os vizinhos descobriram, os serviços de Maria ganharam o bairro e a letra da simpática negra passou a viajar, fechada em envelopes, para diversos lugares do Brasil.

Hoje, aos 71 anos e vivendo em São Bernardo, Maria encontrou seu lugar: é uma das 29 voluntárias do Programa Escreve Cartas, da unidade do Poupatempo do município. Mais 40 vagas estão atualmente abertas para interessados em participar do programa. Em plena era da internet e das comunicações rápidas, homens e mulheres auxiliam quem tem dificuldades com a escrita a se comunicar.

A “escrevedora” Maria é também uma “faladora”. Gosta de conversar e não tem tempo para ficar parada. Com óculos para consertar a visão e um tiquinho de vaidade nos anéis e pulseiras com temas religiosos, Maria tem riso e verbo soltos.

- Sou voluntária no Poupatempo e também participo de trabalhos em outras entidades. Moro há 30 anos em São Bernardo e amo essa terra. Meus cinco filhos já me deram oito netos e dois bisnetos, estou de família criada. Agora quero ajudar os outros e, graças a Deus, sou uma mulher muito letrada, adoro ler e escrever. Assim fica fácil, né?

Maria faz parte da primeira leva do programa, que começou em 2008 na cidade, mas funciona há oito anos em outras unidades do Poupatempo. O índice de analfabetismo em São Bernardo é baixo se comparado ao das cidades da região Nordeste do País. No município do ABCD, 5% da população, ou seja, ao menos 40 mil pessoas, são praticamente cegas para as letras.

Há ainda o que a educação chama de analfabeto funcional, que é a pessoa que frequentou a escola, mas não aprendeu o que deveria aprender. Esses não estão computados, mas também existem e precisam de ajuda para escrever suas cartas. São eles que Maria gosta de ajudar, assim como Dina Fernandes Chagas, que também faz parte da primeira turma de voluntários do programa.

- Assisti ao filme “Central do Brasil”, com a Fernanda Montenegro, e fiquei louca, menina! Na hora quis procurar um lugar para ajudar os outros a escreverem cartas. Soube do programa, mas na época ele só funcionava em São Paulo. Foi uma alegria quando vi um anúncio no jornal que o Poupatempo da minha cidade estava selecionando voluntários. Me inscrevi correndo.

Dora - Dina me revela sua idade ao pé do ouvido, mas não quer que eu conte aos leitores, desculpe. Posso dizer que ela parece mais nova do que realmente é, com seus cabelos loiro-claros, seus brincos, anéis e pulseiras feitos com capim dourado e seu vestido preto com miçangas marrons ao redor do decote. Pergunto se ela se identifica com Dora, a personagem de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”, filme de 1998 que conta a história de uma mulher amargurada que escreve cartas na estação de trem carioca até conhecer um garotinho capaz de fazê-la colocar o pé na estrada para ajudá-lo a reencontrar o pai. Quem responde é outra “escrevedora”, Sônia Maria Cesari, que como Dina não revela quantos anos tem.

- Nós gostamos da Dora, mas somos mais importantes que ela. Aqui a gente escreve e manda a carta de graça, no filme ela escrevia e depois rasgava.

As “escrevedoras” de São Bernardo se envolvem mais com as histórias das pessoas para quem servem de mão e cérebro do que a Dora de “Central do Brasil”. Não chegaram ainda a sair rumo ao Nordeste para ajudar alguém, mas apenas o fato de serem um ouvido amigo, disposto a beber palavras como se bebe água, torna-as verdadeiras psicólogas, com uma vantagem: não cobram nada pelo tempo que disponibilizam.

- Trabalhei como educadora durante 31 anos e me sinto realizada aqui. Certa vez um rapaz da Paraíba nos procurou porque queria escrever uma carta para algum programa de televisão para que custeassem a viagem de volta para a terra onde ele nasceu. Ele veio andando do Bairro Taboão até aqui e chegou sem dinheiro, morto de fome, coitado! Nesse dia foi só a primeira carta que ele escreveu. O homem passou um tempo morando em abrigos de São Bernardo e retornando sempre para pedir que escrevêssemos outra carta para ele. Ficamos muito felizes ao saber que ele finalmente conseguiu uma passagem para voltar para casa. São histórias desse tipo que fazem esse trabalho ser tão gratificante.

Serviço - Para quem quiser participar do programa, estão abertas as inscrições para selecionar 40 voluntários. Basta ligar para (11) 2833-8172 ou ir pessoalmente ao Poupatempo São Bernardo, ao lado do Paço Municipal.

Voz e esperança - Ao contar a história do paraibano, a “escrevedora” Sonia Maria Cesari citou apenas um dos trabalhos oferecidos pelo programa. Além de escrever cartas para parentes e artistas de TV, as pessoas procuram os voluntários para preencher formulários, elaborar currículos e ter voz diante das autoridades. É o caso da dona de casa Alexandra Aparecida da Silva, 33 anos, que mandou uma carta para o secretário de Saúde de São Bernardo, Arthur Chioro.

Há cinco anos Alexandra acorda às 4h20 para levar o filho de 13 anos ao Hospital São Paulo, onde o menino faz tratamento para fibromialgia. A mãe paga o transporte que os leva até lá. Sem emprego fixo, depende de bicos. A sensibilidade de Dina Fernandes Chagas, as unhas pintadas de vermelho, percebem a dor na voz de Alexandra. Dina também é mãe de um menino e entende a preocupação. A letra trabalhada e desenhada de Dina desliza fácil pelo papel pautado.

Alexandra suspira quando coloca a carta na caixa de correio. Seu nome, naquele momento, é esperança. É isso que as “escrevedoras” proporcionam.

Por Camila Galvez - ABCD Maior
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